sexta-feira, 27 de março de 2009

Feministas e mídia: uma questão delicada

A relação do feminismo com a mídia é de amor e ódio – embora o último prevaleça. O episódio conhecido como Bra-burning ou Queima dos sutiãs, símbolo da luta feminista, passaria desapercebido não fosse a presença de jornalistas no local. O protesto era contra a realização do concurso de Miss America em Atlantic City. Cerca de 400 ativistas do Women’s Liberation Movement lutaram ferozmente contra a escolha da mulher mais linda da America, julgando o concurso uma opressão às mulheres, estimulando a competição e explorando comercialmente a figura feminina. E os sutiãs não foram o único alvo. Além deles, as manifestantes lançaram ao chão sapatos de salto, cílios postiços, sprays para cabelo. Ou seja, tudo aquilo que produz uma mulher e a deixa mais bonita. Contudo, há quem diga que a queima nunca aconteceu, pois não houve permissão para tal. E é nesse ponto que entra a mídia.


A vasta cobertura dada ao evento fez com que os meios de comunicação associassem a atitude feminista a outros movimentos, como o da liberação sexual e o dos protestos contra a Guerra do Vietnã. O episódio, então, sairia estampado na manchete do New York Post no dia seguinte com o título de “BraBurners and Miss America” . Toda essa construção midiática contribuiu para a associação do movimento feminista com a queima de sutiãs. É lógico que o gesto foi repetido ao redor do mundo, e sutiãs passaram a ser queimados em praça pública pelos quatro cantos.
Manifestante na Queima de Sutiãs em Atlantic City, 1968


Enquanto isso, em terras tupiniquins, o movimento feminista começava a surgir em plena ascensão do autoritarismo e da repressão dos regimes militares dominantes. Outro ponto que contribuiu para o fortalecimento do movimento foi de processo de modernização que resultou em uma maior incorporação feminina ao mercado de trabalho.


A partir de 1975, quando foram realizadas inúmeras atividades públicas em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte que reuniram mulheres interessadas em discutir a condição feminina na sociedade vigente, surgem novos grupos de mulheres no Brasil. E é aí que a mídia entra novamente como instrumento de divulgação do feminismo. No mesmo ano foi criado o jornal Brasil Mulher em Londrina, Paraná, ligado ao Movimento Feminista pela Anistia. A inserção na imprensa tem continuidade no ano seguinte, com o surgimento do Nós Mulheres , auto-intitulado como feminista.


Avançando algumas décadas e com a queda da censura, principalmente na televisão, a mulher passa a ser retratada de uma maneira, digamos, diferente – e nem um pouco condizente com o movimento feminista. Se outrora o alvo das militantes era a política e a sociedade patriarcal, agora o impasse se dá no campo midiático, tendo como cerne de discussão a criação da imagem estereotipada da mulher veiculada nos meios de comunicação.


Foi com o intuito de discutir essa relação que cerca de 150 militantes do movimento feminista reuniram-se em São Paulo, no seminário Controle Social da Imagem da Mulher na Mídia, encerrado no dia 15 de março.

As participantes concluíram que, para haver uma mídia igualitária, é necessário reunir evidências e cobrar do Estado mudanças sobre como a imagem da mulher brasileira é retratada pelos meios de comunicação. Para isso, será necessária a criação de uma rede para monitoramento e controle da imagem da mulher na mídia.


A principal questão do seminário baseou-se na disseminação de valores ideológicos pela mídia. Valores esse que, segundo as participantes, acabam influenciando mulheres a consumirem futilidades e serem escravas de ditaduras da beleza amplamente divulgadas pela televisão, principalmente. A reivindicação das feministas tem como base o fato de que a maior parte dos meios de comunicação não transmite informações necessárias e verdadeiras sobre o mundo feminino, contribuindo assim com a desigualdade de gêneros e oportunidades existentes no Brasil. Essa opinião é compartilhada no universo feminino, mesmo entre aquelas que não são militantes feministas. A advogada Maria Laura Bemfica, de Novo Hamburgo, ressalta: “Essa imagem projetada de exaltação à beleza física em detrimento da inteligência, da cultura, do conhecimento, é o que faz explodir uma geração de meninas-mulheres com a única preocupação de ser “manequins”, modelos fotográficos ou encarte da Playboy, e onde o estudo e o trabalho do mundo real são relegados a um segundo plano. “



No Seminário, estiveram representadas todas as classes e movimentos feministas. Fizeram-se presentes sindicalistas, lésbicas, negras, camponesas. Todas com o intuito de mudar a visão da mídia sobre o sexo feminino, comprometendo-se a acompanhar todo material veiculado nos meios de comunicação, coletando dados para cobrar do Estado mudanças necessárias nas grades de programação.


As informações coletadas devem ser apresentadas no final do ano durante a Conferência Nacional de Comunicação, como objetivo de orientar medidas quanto à política de concessões na radiodifusão, por exemplo. Segundo as militantes, todo veículo que não tratar a mulher de forma correta – ou seja, sem a criação de estereótipos – deve ser penalizado, podendo levar à extinção das atrações em questão - solução não totalmente viável. “É uma opção do mercado, mostrar o que o povo quer ver, e, num círculo vicioso, a mídia produz os programas e os anunciantes pagam fortunas por 30 segundos de comercial nos intervalos dessa programação. Portanto, para mudar essa mentalidade, a base seria a educação do povo, a corpo, o que é hoje, infelizmente, a realidade não só no Brasil, mas em vários outros países”, pontua Maria Laura.


Os principais alvos das críticas durante o Seminário foram as novelas, responsáveis pela padronização do comportamento através de personagens caricatas e também os programas auto denominados “femininos”, que ensinam labores domésticos como o artesanato, o crochê e a culinária. Sob a ótica feminista, tais atrações acabam por influenciar a telespectadora a desempenhar o papel de dona de casa, abdicando de uma vida social, econômica e políticamente ativa. No entanto, há quem diga que a mídia reflete a sociedade atual. O estudante de filosofia da Unisinos Jefferson Cristian é dessa opinião: “Os estereótipos evidentes, porém eufemizados, como: (mulher) objeto, consumista, submissa, impotente e inferior, não são vulgarizações da mídia, mas da sociedade, e esta interpretação acaba sendo transmitida pela mídia. O maior exemplo disto é que as mulheres são criadas brincando com bonecas para que construam o hábito de cuidar dos filhos, para que tenham vontade de ter filhos e viverem suas vidas de meras reprodutoras.”


A questão vai muito além da queima de sutiãs, de revistas ou de controles-remoto. A imagem criada da mulher e divulgada já na década de 40 por Mário Lago, está imbuída na sociedade que todavia é essencialmente patriarcal. De um lado, feministas tentando quebrar um conceito já implantado. De outro, os resistentes, que bradam: “Ai, que saudades de Amélia”.

Um comentário:

  1. Para todos os lados que olho vejo mais demonstrações de que a sociedade tem a tendencia de errar. Talvez a única forma de não haver erros esdrúxulos como estes é não existindo sociedade. É difícil pensar com esta possibilidade martelando na cabeça o tempo todo, mas...
    Beijo, Quel.

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