quinta-feira, 7 de maio de 2009

Lar, Novo Lar

Cresce o número de casais gays que manifestam o desejo de adotar crianças. A questão gera polêmica nos tribunais e encabeça mudanças no conceito tradicional de “família”.


Na festa de final de ano da escola, uma família chama a atenção: sentados na primeira fila estão dois homens, focando o olhar amoroso a uma das alunas. Ela é o símbolo de uma revolução. A menina que direciona beijos aos dois é o primeiro caso legalizado de paternidade dupla no Brasil. Ou seja, ela tem dois pais e sabe perfeitamente que, juntos, são o retrato de um novo lar, nem um pouco convencional.

O caso é atípico. O preconceito existe, tanto que eles não formam uma família reconhecida. O censo demográfico do IBGE ainda não investiga casais homossexuais. Todo dado que se tem é extra-oficial. É como se os casais estivessem em um ponto cego da sociedade brasileira e da legislação.

Atualmente, o país não tem uma lei que regulamente a adoção por casais homossexuais. Inclusive, no projeto de lei que estabelece novas regras para adoção de crianças e adolescentes, aprovado no dia 20 de agosto de 2008 pela Câmara dos Deputados, houve a retirada da possibilidade de casais homossexuais adotarem crianças.

Há uma lacuna na Constituição Federal, na qual militantes das causas gays se apóiam para reivindicar direitos. Esse “buraco” na legislação permite várias interpretações. Uma delas é a de que o ordenamento jurídico brasileiro admite a união estável entre pessoas do mesmo sexo, pela interpretação extensiva ou ao menos por analogia.

Na realidade, a legislação vigente menciona unicamente casais heterossexuais. O ponto em comum entre essas uniões e as homoafetivas é que ambas estão “dentro da lei”: são pautadas pelo “amor romântico que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura”, segundo o Artigo 227 da Constituição Federal. Ou seja: mesmo que não se reconheça a possibilidade jurídica do casamento civil e da união estável entre pessoas do mesmo sexo, a adoção por casais homossexuais seria possível, porque eles possuem a mesma capacidade de criar uma criança em comparação a um casal heterossexual.

É contra a lacuna existente na lei que a Desembargadora do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, luta. “O que nós não temos é uma legislação proibindo essa adoção, mas também não temos uma legislação admitindo. Não há nada que proíba que duas pessoas do mesmo sexo constem como pais ou mães de um menor, visto que a parentalidade não é um conceito biológico. O ideal, mesmo, era que tivesse uma lei a favor. Mas tudo esbarra, no final das contas, no preconceito - inclusive do legislador.”

O preconceito, ainda segundo Berenice, é reflexo de um país essencialmente conservador, onde existe uma grande resistência social em relação a esse tipo de adoção. O temor é normal no que diz respeito a futuras reações comportamentais, bem como transtornos psicológicos para a criança.

Engana-se quem pensa que esse é um mal somente da sociedade conservadora. Esse receio também está imbuído na sociedade homoafetiva. O estudante de jornalismo da Unisinos, Roberto Bemfica, 19 anos, manifesta suas preocupações no que diz respeito a uma futura adoção: “No momento em que tivesse adotado uma criança e ela estivesse na escola, nas séries iniciais, como é que ficaria o meu filho ao desenhar a família na situação de ter dois pais?”. Roberto, que não pretende adotar um filho justamente pelo preconceito explícito ou até mesmo tácito que a criança pode sofrer, afirma que a sociedade e as instituições são despreparadas para essa nova constituição da família. “As escolas ainda não estão preparadas para essa nova realidade de configuração familiar.”

Para os defensores da adoção homossexual, o receio apresentado por alguns é um motivo incabível para o preconceito. “Estudos feitos no mundo inteiro reconhecem que crianças criadas por homossexuais não têm nenhum tipo de problema quanto à sua identidade sexual. A orientação sexual dos pais não é garantia de nada”, diz Maria Berenice. E complementa: “São pais muito cuidadosos, por terem sido alvo de discriminação.”

A Constituição Federal Brasileira serve de base argumentativa para os dois lados. A favor da proibição, está o Artigo 227, que ressalta ser “papel dos pais proporcionar o bem estar dos filhos, ajudando na sua formação e influenciando na construção de seus valores morais e éticos”. Portanto, haveria um descumprimento dessa lei ao permitir a adoção de crianças por casais gays. O preconceito sofrido pelo menor comprometeria seu bem-estar, bem como sua qualidade de vida. Sob essa ótica, duas pessoas do mesmo sexo não podem adotar uma criança, pois não conseguirão nunca imitar a posição de pai e mãe, ainda que um deles tenha o sexo psicológico invertido. Essa ação do meio exterior denota um despreparo da sociedade e do legislativo para lidar com causas polêmicas.

Do outro lado da discussão está quem pretende adotar. O direito de adoção não pode ser negado. Contudo, se todos têm o direito de requerer a adoção, nem todos podem consegui-la, já que para consolidá-la, é preciso que o adotante tenha condições de cumprir com seus deveres como pai adotivo, e ainda garantir que a adoção não irá de maneira alguma comprometer a saúde física e mental do adotado.

A adoção por casais homoafetivos é polêmica e gera dúvidas, principalmente no Estado. Nesses casos, a justiça pode negar o pedido de adoção, já que retém poderes para garantir a integridade e o futuro da criança a ser adotada. Assim, não se está rompendo nenhum princípio da Constituição Federal, pois a negação estará ligada à incapacidade de quem deseja adotar. Essa inaptidão está vinculada unicamente a aspectos exteriores – ou seja, ao preconceito.

Para Maria Berenice, toda criança sofre discriminação em algum estágio da vida escolar. Seja por pertencer a uma raça diferente, por ser filha de mãe solteira, por viver em um abrigo. Segundo ela, o que garante estabilidade emocional a uma criança é um lar consolidado. É esse seu principal argumento ao defender a adoção. “A melhor situação da criança é estar em um meio familiar”.

A discriminação preocupa também quem é a favor da adoção homoafetiva. Em uma sociedade com problemas sérios no que diz respeito a crianças e adolescentes, pode soar inaceitável negar um lar a uma criança. Porém, a questão é muito mais complexa. Ela envolve o combate a tabus e uma quebra de paradigmas, principalmente na questão da constituição da família, cerne da discussão. Engloba, sobretudo, o silêncio do Legislativo: “A justiça ainda está vedada pelo manto do preconceito” , diz Roberto.
No entanto, caminha-se para uma evolução. “O reconhecimento da união estável entre homossexuais já é um grande avanço. A adoção abrirá uma série de oportunidades.” Completa Maria Berenice. Em 2006, os companheiros Júnior e Vasco conseguiram a guarda da menina Theodora, em São Paulo. Os dois figuram como pais na certidão de nascimento.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Feministas e mídia: uma questão delicada

A relação do feminismo com a mídia é de amor e ódio – embora o último prevaleça. O episódio conhecido como Bra-burning ou Queima dos sutiãs, símbolo da luta feminista, passaria desapercebido não fosse a presença de jornalistas no local. O protesto era contra a realização do concurso de Miss America em Atlantic City. Cerca de 400 ativistas do Women’s Liberation Movement lutaram ferozmente contra a escolha da mulher mais linda da America, julgando o concurso uma opressão às mulheres, estimulando a competição e explorando comercialmente a figura feminina. E os sutiãs não foram o único alvo. Além deles, as manifestantes lançaram ao chão sapatos de salto, cílios postiços, sprays para cabelo. Ou seja, tudo aquilo que produz uma mulher e a deixa mais bonita. Contudo, há quem diga que a queima nunca aconteceu, pois não houve permissão para tal. E é nesse ponto que entra a mídia.


A vasta cobertura dada ao evento fez com que os meios de comunicação associassem a atitude feminista a outros movimentos, como o da liberação sexual e o dos protestos contra a Guerra do Vietnã. O episódio, então, sairia estampado na manchete do New York Post no dia seguinte com o título de “BraBurners and Miss America” . Toda essa construção midiática contribuiu para a associação do movimento feminista com a queima de sutiãs. É lógico que o gesto foi repetido ao redor do mundo, e sutiãs passaram a ser queimados em praça pública pelos quatro cantos.
Manifestante na Queima de Sutiãs em Atlantic City, 1968


Enquanto isso, em terras tupiniquins, o movimento feminista começava a surgir em plena ascensão do autoritarismo e da repressão dos regimes militares dominantes. Outro ponto que contribuiu para o fortalecimento do movimento foi de processo de modernização que resultou em uma maior incorporação feminina ao mercado de trabalho.


A partir de 1975, quando foram realizadas inúmeras atividades públicas em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte que reuniram mulheres interessadas em discutir a condição feminina na sociedade vigente, surgem novos grupos de mulheres no Brasil. E é aí que a mídia entra novamente como instrumento de divulgação do feminismo. No mesmo ano foi criado o jornal Brasil Mulher em Londrina, Paraná, ligado ao Movimento Feminista pela Anistia. A inserção na imprensa tem continuidade no ano seguinte, com o surgimento do Nós Mulheres , auto-intitulado como feminista.


Avançando algumas décadas e com a queda da censura, principalmente na televisão, a mulher passa a ser retratada de uma maneira, digamos, diferente – e nem um pouco condizente com o movimento feminista. Se outrora o alvo das militantes era a política e a sociedade patriarcal, agora o impasse se dá no campo midiático, tendo como cerne de discussão a criação da imagem estereotipada da mulher veiculada nos meios de comunicação.


Foi com o intuito de discutir essa relação que cerca de 150 militantes do movimento feminista reuniram-se em São Paulo, no seminário Controle Social da Imagem da Mulher na Mídia, encerrado no dia 15 de março.

As participantes concluíram que, para haver uma mídia igualitária, é necessário reunir evidências e cobrar do Estado mudanças sobre como a imagem da mulher brasileira é retratada pelos meios de comunicação. Para isso, será necessária a criação de uma rede para monitoramento e controle da imagem da mulher na mídia.


A principal questão do seminário baseou-se na disseminação de valores ideológicos pela mídia. Valores esse que, segundo as participantes, acabam influenciando mulheres a consumirem futilidades e serem escravas de ditaduras da beleza amplamente divulgadas pela televisão, principalmente. A reivindicação das feministas tem como base o fato de que a maior parte dos meios de comunicação não transmite informações necessárias e verdadeiras sobre o mundo feminino, contribuindo assim com a desigualdade de gêneros e oportunidades existentes no Brasil. Essa opinião é compartilhada no universo feminino, mesmo entre aquelas que não são militantes feministas. A advogada Maria Laura Bemfica, de Novo Hamburgo, ressalta: “Essa imagem projetada de exaltação à beleza física em detrimento da inteligência, da cultura, do conhecimento, é o que faz explodir uma geração de meninas-mulheres com a única preocupação de ser “manequins”, modelos fotográficos ou encarte da Playboy, e onde o estudo e o trabalho do mundo real são relegados a um segundo plano. “



No Seminário, estiveram representadas todas as classes e movimentos feministas. Fizeram-se presentes sindicalistas, lésbicas, negras, camponesas. Todas com o intuito de mudar a visão da mídia sobre o sexo feminino, comprometendo-se a acompanhar todo material veiculado nos meios de comunicação, coletando dados para cobrar do Estado mudanças necessárias nas grades de programação.


As informações coletadas devem ser apresentadas no final do ano durante a Conferência Nacional de Comunicação, como objetivo de orientar medidas quanto à política de concessões na radiodifusão, por exemplo. Segundo as militantes, todo veículo que não tratar a mulher de forma correta – ou seja, sem a criação de estereótipos – deve ser penalizado, podendo levar à extinção das atrações em questão - solução não totalmente viável. “É uma opção do mercado, mostrar o que o povo quer ver, e, num círculo vicioso, a mídia produz os programas e os anunciantes pagam fortunas por 30 segundos de comercial nos intervalos dessa programação. Portanto, para mudar essa mentalidade, a base seria a educação do povo, a corpo, o que é hoje, infelizmente, a realidade não só no Brasil, mas em vários outros países”, pontua Maria Laura.


Os principais alvos das críticas durante o Seminário foram as novelas, responsáveis pela padronização do comportamento através de personagens caricatas e também os programas auto denominados “femininos”, que ensinam labores domésticos como o artesanato, o crochê e a culinária. Sob a ótica feminista, tais atrações acabam por influenciar a telespectadora a desempenhar o papel de dona de casa, abdicando de uma vida social, econômica e políticamente ativa. No entanto, há quem diga que a mídia reflete a sociedade atual. O estudante de filosofia da Unisinos Jefferson Cristian é dessa opinião: “Os estereótipos evidentes, porém eufemizados, como: (mulher) objeto, consumista, submissa, impotente e inferior, não são vulgarizações da mídia, mas da sociedade, e esta interpretação acaba sendo transmitida pela mídia. O maior exemplo disto é que as mulheres são criadas brincando com bonecas para que construam o hábito de cuidar dos filhos, para que tenham vontade de ter filhos e viverem suas vidas de meras reprodutoras.”


A questão vai muito além da queima de sutiãs, de revistas ou de controles-remoto. A imagem criada da mulher e divulgada já na década de 40 por Mário Lago, está imbuída na sociedade que todavia é essencialmente patriarcal. De um lado, feministas tentando quebrar um conceito já implantado. De outro, os resistentes, que bradam: “Ai, que saudades de Amélia”.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Mulheres negras sofrem duplo preconceito


Pesquisa do IPEA derruba com dados o mito da democracia racial

A segunda edição da pesquisa Retratos da Desigualdade, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em parceria com o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), mostra que a tentativa de construir uma democracia racial no Brasil foi falha.

De acordo com o estudo, divulgado no final de 2008, o preconceito está presente em várias situações cotidianas, de maneira explícita ou tácita. O racismo atinge áreas importantes da sociedade, como a saúde: cerca de 44,5% das mulheres negras nunca tiveram acesso ao exame clínico de mama, enquanto essa porcentagem cai para 27,3% em mulheres brancas.

A pesquisa do IPEA baseou-se no banco de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), feita anualmente pelo IBGE. Esses dados já mostram desigualdades entre a população brasileira. Contudo, os novos estudos do IPEA comprovaram a triste realidade da existência de uma hierarquia social que coloca homens brancos no topo e mulheres negras (vítimas de dupla discriminação), na base dessa “pirâmide social”.

A situação da mulher negra no Brasil atual reflete a realidade vivida pelo país no período de escravidão. Ela carrega a herança de um período de trevas para o povo afro-descendente. As consequências são um menor nível de escolaridade, um salário menor e possibilidades de ascensão social reduzidas.

A cor e o sexo são determinantes também – embora de maneira silenciosa – na hora da contratação para um novo emprego. A estudante de Jornalismo da Unisinos Tatiane Lima relata que já sofreu preconceito ao procurar trabalho. “Uma recrutadora me selecionou para a vaga e, quando fui encaminhada à psicóloga, ela simplesmente não quis realizar a entrevista.Percebi que não era por conta do meu currículo, porque a recrutadora ficou tremendamente constrangida.” – declara.

Quando logram a contratação, há outro obstáculo a enfrentar. Vítimas do racismo e do sexismo, as mulheres negras ocupam os piores cargos de trabalho, recebendo os menores salários em comparação aos das mulheres brancas. Segundo o estudo do IPEA, o salário médio mensal de uma mulher branca é de R$ 561,71, enquanto o das negras não chega nem a metade desse valor.

A pesquisa do IPEA serve para comprovar com dados concretos aquilo que a sociedade vive e presencia a todo momento. As desigualdades observadas persistem em diversos âmbitos da sociedade ao longo dos anos. O atual governo brasileiro mantém políticas de inclusão social – como a criação de secretarias – porém, as mudanças ainda ocorrem de maneira vagarosa, em um país onde o preconceito é velado. As ações executadas pelo governo não são suficientes para apagar um histórico de séculos de desigualdade social. Na tentativa de atingir a igualdade, o governo tenta, de maneira falha, tratar os desiguais de maneira igual, adotando de maneira permanente medidas que deveriam ser temporárias. O sistema de Cotas em universidades públicas é um exemplo claro disso. O cerne da questão não está no ensino superior, mas sim no difícil acesso ao conhecimento das classes mais baixas – compostas por negros, em sua maioria.

Mais do que um aprimoramento nas políticas de inclusão social, deve-se ter consciência de que é urgente uma reformulação de conceitos daqueles que ainda vivem com a mentalidade de séculos passados, praticando o preconceito e , como se não bastasse, deixando-o como “herança” para seus filhos, criando-os em moldes racistas e sexistas.



A empregada doméstica Doralice Muniz Barreto, vítima de preconceito em agência bancária. Reportagem completa no Portal G1

Denúncias contra crimes de racismo podem ser encaminhadas ao
Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras
Travessa Francisco Leonardo Truda, nº40 - sobreloja - Porto Alegre /RS
(51) 3286.8482 - (51)3219. 0180


quinta-feira, 12 de março de 2009

Violência doméstica impulsiona criação do Pacto de Enfrentamento à Violência contra Mulheres


O documento, que será assinado em abril deste ano pela governadora Yeda Crusius, prevê investimento de R$ 3 milhões

Rihanna, Tina Tunner, Pamela Anderson. Elza Soares, Giulia Gam. Todas famosas, cercadas de holofotes e com algo em comum com a Dona Maria, com a Josefa, com a Gloria. São mulheres públicas e anônimas que sofreram agressões físicas, morais ou até mesmo sexuais.

Infelizmente, os números crescem a cada instante. No Brasil, segundo dados as Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres divulgados no início desse ano, as ligações para o Ligue 180 em 2008 tiveram um aumento de 32% em relação a 2007. Foram registrados cerca de 24.500 relatos de agressões. Aproximadamente 65% das mulheres que denunciaram seus agressores confessaram que sofrem violência diariamente.

Os motivos são em sua maioria os mais banais: ciúmes, descontentamento com os labores domésticos, ou simplesmente vontade de agredir. Não importa. Mais alarmante que as agressões denunciadas é saber que existem casos que não são de conhecimento da Justiça. Muitas mulheres, sob pressão de uma sociedade patriarcal, têm receio de denunciar seu, considerando que tal atitude desestruturaria famílias em decorrência de uma eminente separação.

Entram aí os dogmas religiosos, a influência da família, a dependência financeira e até mesmo o amor que essas mulheres ainda possuem pelos seus companheiros. Mesmo assim, o número de denúncias cresceu depois que a Lei Maria da Penha – que leva o nome de uma mulher brutalmente agredida pelo companheiro – entrou em vigor no dia 7 de agosto de 2006.

Desde então, o combate à violência ganhou forças em medidas mais rígidas. No Rio Grande do Sul, o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres para 2009 será assinado entre o governo do Estado e o governo Federal no início de Abril. Na ocasião da assinatura – pela governadora Yeda Crusius e a ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), Nilcéia Freire - será criado o Comitê de Monitoramento do Pacto em âmbito estadual. Dentre os benefícios da adesão ao Pacto está o investimento em projetos para combate à violência e apoio às vítimas dos maus tratos. A previsão para 2009 é que sejam investidos R$ 3 milhões em políticas de apoio à mulher agredida e seus familiares – R$ 500.000 a mais que no ano anterior.

A primeira reunião para divulgação da segunda etapa do Projeto Básico Estadual está prevista para o próximo dia 19 de março, em Porto Alegre, e contará com a participação das coordenadoras municipais da Mulher. Como parte da medida, também serão realizadas reuniões com os movimentos sociais de mulheres, prefeitos e secretários estaduais, com o intuito de elaborar projetos de combate à violência contra a mulher no Estado. Essas propostas serão encaminhadas à Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres.

Em entrevista ao Diário de Canoas (RS), a coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher, Maria Helena Gonzáles, diz que as ações serão complementadas pelo projeto Cidade Amiga da Mulher, que faz parte do Programa Estruturante Nossas Cidades.


O chefe da Casa Civil, José Alberto Wenzel, recebe em audiência a Coordenadora da Mulher, Maria Helena Gon alez, que apresentou o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. Foto: Paula Fiori/Casa Civil

Na Grande Porto Alegre, as mulheres contam com o Centro Jacobina, órgão da cidade de São Leopoldo que oferece apoio psicológico e cuidados especiais às mulheres que sofrem agressões e aos seus familiares.

A Assistente Social Ângela Pereira e a Diretora de Defesa dos Direitos, Sandra Viau, falam um pouco dobre o trabalho desenvolvido pelo Centro Jacobina.

Quais são os números de casos registrados de agressão contra a mulher na cidade de São Leopoldo?

No Centro Jacobina - Centro de Atendimento e Apoio a Mulher, no período de setembro de 2006 a fevereiro de 2009 tivemos 1.141 mulheres referenciadas ao serviço.

Quais são as estatísticas do tipo de violência doméstica? (agressões físicas, psicológicas, moral e social)

Nesse período , tivemos 583 agressões físicas, 889 psicológicas, 56 sexual, 154 patrimonial, 325 moral e seis social.

Sabemos que muitas mulheres têm coragem para denunciar seus agressores depois de passarem por muitas agressões. Qual o trabalho psicológico feito com as vítimas?

Primeiramente, é feito um trabalho de escuta e apoio, posteriormente de fortalecimento da identidade da mulher, assim como informações sobre os serviços públicos disponíveis e seus direitos.

Como vocês lidam com a questão da atitude da vítima em querer "preservar a família", e não denunciando o parceiro?

A decisão de denunciar é da vítima. É a mulher que decide o que pretende fazer com sua vida (protagonismo desta pessoa). Nosso trabalho é de dar apoio, fortalecê-la. Informá-la dos "caminhos" legais a percorrer. É importante que quando ela denunciar, ela vá até o fim.

Após as denúncias, qual o índice de reincidência de agressões?

Não temos como apresentar índices de reincidência, mas sabemos que as mulheres procuram ajuda somente após várias agressões sofridas. Das mulheres atendidas no período anteriormente apresentado, temos que 515 não tem boletim de ocorrência, 288 tem um registro. Poucos são os casos de registros e ocorrências que ultrapassam quatro.

De onde as agressões provêm, na maioria dos casos?

Dos maridos e companheiros. Aproximadamente 605 casos atendidos são de maridos ou companheiros e 199 de ex-companheiros, os demais, por parte de filhos, netos, genros, chefes.

Segundo os dados da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, dos 269.977 atendimentos realizados em 2008:

* 94,1% dos registros de relatos de violência são casos de doméstica e familiar contra as mulheres;

* 63% dos registros trazem o cônjuge como autor das agressões;

* 78% das mulheres que relatam ter filhos;

* 65% dos registros relatam que a frequência da violência é diária;

* 37,1% das mulheres relatam correr risco de morte e 27,6% relatam risco de espancamento;

* Em 57% dos relatos o agressor é usuário de drogas e/ou álcool;

* 47% das mulheres que registram o relato de violência alegam ser dependentes financeiras dos agressores;

* 91% dos registros são de mulheres que residem em zona urbana;

* 93% das denunciantes são as próprias vítimas.

Qual o trabalho feito com os familiares das vítimas? Há atenção especial para aqueles filhos que presenciam agressões sofridas pelas mães?

A equipe atua em rede com o CRAS e serviços do CREAS do município, bem como com o CAPS infantil. Também a inserção da criança nas escolas.

  • Maiores Informações:

O Centro Jacobina fica na rua Saldanha da Gama, 331, Centro. Contatos podem ser feitos pelo telefone: (51) 3588-8224 ou pelo e-mail:cjacobina@saoleopoldo.rs.gov.br